segunda-feira, 18 de março de 2024

Eleições parlamentares 2024 (43): Frentismo oposicionista?

1. Não vejo que sentido faz ver o PS a aceitar prontamente o convite do Bloco para uma ronda de encontros, por este promovida, com os demais partidos de esquerda, com o propósito declarado de acordar numa estratégia comum na oposição ao Governo liderado pelo PSD e de preparar uma futura alternativa de Governo.

Por um lado, considero que se o PS quer ser o líder da oposição, como anunciou PNS na noite eleitoral, não pode aceitar alinhar com iniciativas em que o protagonismo é assumido pelo BE, posto em bicos de pés, como campeão da convergência, depois de ter passado a campanha eleitoral a fazer do PS o alvo principal dos seus ataques. Por outro lado, tal como a julgo que a insistência numa maioria de esquerda, mesmo quando ela já era manifestamente impossível, foi um dos fatores que contribuiu para o mau desempenho eleitoral do PS entre os eleitores do centro político, também agora penso que uma "união de esquerda" na oposição só pode redundar em prejuízo do PS

2. Uma coisa são eventuais consultas "ad hoc", nomeadamente no quadro parlamentar, outra coisa é um acordo sobre uma espécie de "programa comum de oposição" - que se afigura totalmente descabido.

Se quer reconquistar o eleitorado perdido, o PS deve afirmar a sua autonomia política não somente face à direita, mas também face às demais esquerdas, quer na oposição ao Governo, quer na preparação de uma futura alternativa de governo.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Eleições parlamentares 2024 (42): A invenção do Presidente

1. Este anúncio de que MRS considera ao número de «deputados da AD e não somente do PSD» para efeitos de formação do Governo, confirma o deliberado viés presidencial neste processo, para favorecer o PSD, que denunciei anteriormente

Depois de ter efetuado indevidamente as audiências antes de conhecida a composição da AR (que depende dos quatro deputados do exterior, ainda por apurar), incluindo nelas as coligações, que não deviam entrar neste processo, o Presidente prepara-se para considerar na escolha do novo PM o número de deputados eleitos nas listas da AD (e também da coligação PSD+CDS na Madeira, que não integrou a AD), onde se contam dois deputados do CDS, mesmo depois de ela estar extinta. 

Ora, constitucionalmente não há "deputados da AD", mas somente deputados do PSD e do CDS eleitos nas listas da AD, tal como propostos por ambos os partidos.  

2. De facto, depois de apurados os resultados eleitorais, as coligações extinguem-se automaticamente, e o que conta é o número de deputados de cada partido, independentemente de terem sido obtidos isoladamente, em listas próprias, ou em listas de coligação. É absurdo somar os deputados do CDS para fundamentar o convite ao PSD para formar Governo em 1º mão, mesmo que este acabe por não ser o partido com mais deputados e o maior partido da AR -, o que sucederá pela primeira vez no regime democrático. 

Cabe perguntar se MRS faria o mesmo se, em vez do PS e da AD, estivesse em causa o PSD e uma hipotética coligação "Esquerda democrática" (PS+Livre), tendo o PSD menos deputados do que a soma dos partidos da coligação, mas mais do que o PS. Parece-me evidente que na formação do Governo daria preferência, e bem, ao PSD, por ter maior número de deputados e ser o maior partido na AR.

O PR é politicamente irresponsável pelas suas decisões, mesmos quando manifestamente erradas como esta, mas não é imune ao julgamento da opinião pública.

Adenda
Através da sua ventríloqua privilegiada no Expresso, MRS faz saber que «sonha com AD [sic] a resistir ate às presidenciais» -, com a desvelada ajuda de Belém, obviamente.

Adenda 2
Como é claro desde o dia 10, o PS não se propõe formar Governo, mesmo que viesse a ter mais deputados, porque tal solução não teria a mínima hipótese de vingar na AR, dada a ampla maioria parlamentar das direitas, pelo que será o PSD, ainda que venha a ter menos deputados, a constituir Governo, minoritário, mesmo formando uma coligação de governo com o CDS. Mas para isso não é preciso inventar a ideia dos "deputados da AD"

quinta-feira, 14 de março de 2024

Eleições parlamentares 2024 (41): A desistência Liberal

É fácil perceber as razões da Iniciativa Liberal para desistir de entrar no Governo com o PSD, como tinha defendido convictamente na campanha eleitoral. O seu líder chegou a dizer no debate com Montenegro que a solução governativa estava naquela mesa.

A meu ver há várias razões: primeiro, a IL não conseguiu realizar o seu objetico de crescimento eleitoral, tendo por isso perdido poder negocial para impor ao PSD concessões relevantes, em negociações que sempre seriam muito difíceis, dadas as marcadas diferenças entre os dois partidos; segundo, essa coligação alargada não teria maioria absoluta, nem sequer mais deputados do que o conjunto das esquerdas, tornando a tarefa do Governo bastante mais problemática quanto a reformas liberais; terceiro, uma vez que o Governo ficaria essencialmente dependente do Chega, a IL receou, com razão, poder estar em risco a linha vermelha que tinha anunciado contra qualquer colaboração governativa com a direita populista; por último, a IL terá concluído serem assaz problemáticas as condições de sucesso e de duração do Governo do PSD (+CDS), não justificando o seu investimento nessa solução, dado o risco de vir a pagar politicamente pelo seu provável insucesso.

A desistência liberal torna o Governo PSD+CDS ainda mais minoritário e politicamente mais isolado, dependente de negociações caso a caso com o Chega e com a IL, em competição. Não são boas perspetivas.

quarta-feira, 13 de março de 2024

O que o Presidente não deve fazer (45): O árbitro não deve tomar partido

1. O PAN tem razão quando defende que as audiências presidenciais aos partidos com vista à formação de novo Governo não deviam ter lugar antes de os resultados eleitorais estarem inteiramente apurados, para o que ainda falta escrutinar os votos do exterior, os quais podem alterar os dados relativos ao território nacional, nomeadamente quanto ao número de deputados eleitos por cada partido.

Ora, havendo neste momento um empate entre o PSD e o PS, os resultados que faltam podem desfazer esse empate a favor de qualquer do dois principais partidos, sendo evidente que isso está longe de ser politicamente irrelevante (como mostrei AQUI).

2. Acresce que, desta vez MRS convocou também as coligações junto com os partidos políticos que concorreram isoladamente, ao contrário do que fez em 2019, como se pode ver na imagem abaixo, que me foi remetida por um leitor. Ora, não faz sentido convocar as coligações eleitorais, não somente por elas se extinguirem automaticamente com o apuramento dos resultados eleitorais, mas também por os mandatos parlamentares serem atribuídos aos partidos, e não às coligações.

Tendo em conta que estas audições têm a ver com as diligências preparatórias para a nomeação do novo Governo, que é matéria do foro dos partidos, e não das coligações, não se compreende a convocação das segundas.

3. Além disso, tendo covocado duas coligações, a AD e a CDU (apesar de os Verdes não terem elegido nenhum deputado), Belém "esqueceu-se" de uma 3ª coligação, a "Madeira Primeiro", constituída pelo PSD e pelo CDS naquele círculo eleitoral, que não pode ser integrada na AD, porque tem uma composição partidária diferente, pelo que os resultados daquela, em votos e em deputados eleitos, não podem ser imputados à AD (como os media estão a fazer indevidamente).

Não se percebe, portanto, o critério de seleção das coligações...

4. Ao contrário do que sucede nos sistemas presidencialistas e afins (como o francês), em que os presidentes da República são titulares ou cotitulares das funções executivas (governo) e, por isso, são eleitos numa base partidária, nenhuma dessas condições se verifica entre nós, onde o PR exerce uma função de supervisão do sistema político, como árbitro independente e imparcial.

Nessa condição, no exercício dos seus poderes, o Presidente não tem partido nem pode pode orientar-se por razões de preferência ou de animosidade partidária. Não pode, nem deve dar a impressão de que o faz...

Adenda
Embora continue a contabilizar os deputados pelas coligações, não os desagregando pelos partidos que as constituem, a página oficial da Comissão Nacional de Eleições sobre os resultados eleitorais distingue claramente, como tem de ser, a coligação PSD+CDS+PPM (AD), da coligação PSD+CDS (Madeira Primeiro), por se tratar de duas candidaturas diferentes (e, por isso, coloca o PS em 1º lugar, por ter mais votos e mais deputados do que a AD).

Adenda 2
Um leitor argumenta que, uma vez que «o PS já decidiu passar à oposição, sem esperar pelo apuramento final das eleições, não há razão para Marcelo [Rebelo de Sousa] não iniciar as audiências necessárias para a formação de novo Governo». Sim, não tenho dúvidas que o PS não quer formar Governo, mesmo que venha a ser o maior partido parlamentar, pelas razões que expus AQUI (posição reafirmada no jornal oficial do PS), mas isso não dispensa o PR de respeitar as regras aplicáveis, a saber: (i) a formação do Governo diz respeito aos partidos, não às coligações eleitorais, que se extinguem com as eleições; (ii) as audiências com os partidos devem iniciar-se somente depois de conhecido o novo quadro parlamentar, que depende do apuramento final das eleições. Não há nenhuma razão válida para não respeitar tais regras.

Adenda 3
Contestanto a tese de que o PR deve ser imparcial no exercício das suas funções, um leitor sustenta que «não há nenhuma lei que diga isso [e que] nada na lei proíbe o Presidente de fazer parte de um partido nem de favorecer um partido, de qualquer forma que lhe apraza, desde que no respeito da Constituição». Mas não tem razão. A neutralidade partidária do PR goza de um largo sufrágio entre os constitucionalistas, tendo em conta não somente a origem doutrinária do "poder moderador" do Presidente (que Constant designou justamente como "poder neutro"), mas sobretudo o seu estatuto constitucional: não ser candidato partidário, ser o representante da República (ou seja, de toda a coletividade, e não de uma parte dela), e estar fora da dialética Governo v. oposição. Os juízes também podem ter partido, e os árbitos deportivos podem ter o seu clube, mas no exercício das suaa funções têm de os colocar "entre parêntesis".

terça-feira, 12 de março de 2024

Eleições parlamentares 2024 (40): O seu a seu dono

1. Este artigo de Pedro Santos Guerreiro imputa a crise política que desencadeou estas eleições e o abalo no quadro político nacional que elas trouxeram, incluindo a irrupção do Chega, à Procuradora-Geral da República, por ter provocado a demissão do Primeiro-Ministro, ao colocá-lo publicamente sob suspeita de ilícito penal (até hoje não identificado), no tristemente célebre comunicado de 7 de novembro do ano passado.

Isso é verdade, mas quem aproveitou para anunciar precipitadamente a decisão de dissolver a AR, rejeitando a continuação da legislatura, através da nomeação de outro chefe do Governo, como proposto pelo PS, foi o Presidente da República, tendo ele todas as razões para antecipar os possíveis resultados das eleições forçadamente antecipadas

2. Nada impunha e tudo desaconselhava a dissolução parlamentar - como argumentei AQUI -, a bem da estabilidade governativa e do direito dos partidos de governo a serem julgados pelo seu desempenho no final do mandato, e não antes do meio dele, como sucedeu.

Por conseguinte, se há que apontar um "responsável" «pelo lindo serviço (...) [de] um governo precário, um parlamento partido e a extrema-direita com quase 50 deputados» (expressões do autor citado), o alvo correto é o Palácio de Belém, e não outro.

segunda-feira, 11 de março de 2024

Eleições parlamentares 2024 (39): Os vencidos

1. O principal vencido das eleições parlamentares indevidamente antecipadas é indubitavelmente o PS, que não só perdeu as eleições, embora por pequena margem, como fez um mau resultado em termos absolutos, com menos de 30% (embora tenha havido resultados piores na sua história...), tendo perdido 13 pontos percentuais em relação às eleições de há dois anos (28,5% contra 41,5%).

A derrota é tanto mais grave quanto o PS tinha "obrigação" de ganhar estas eleições - como defendi AQUI -, tendo em conta o desempenho francamente positivo da governação socialista, em termos de crescimento económico e emprego, aumento de rendimentos (salários e pensões), saldo orçamental positivo e redução da dívida pública, avanços no Estado social (salário mínimo, abono de família, creches gratuitas, apoio às rendas, etc.), diminuição do IRS, prestígio na UE.

Se, num sistema político de tipo parlamentar como o nosso, as eleições são, antes de mais, um julgamento do Governo cessante e do partido governante, há uma manifesta contradição entre as boas provas dadas pelo PS neste oito anos, e especialmente nos últimos dois anos, e o pesado "chumbo" eleitoral que acaba de sofrer.

2. Face a esta inesperada derrota - aliás acompanhada por uma clara redução do voto agregado das esquerdas -, o PS precisa de fazer uma reflexão interna séria, não somente sobre as razões deste desaire (entre as quais se conta certamente a errada aposta numa impossível "maioria de esquerda" e na repristinação da "Geringonça", como assinalei em devido tempo), mas também sobre o reduzido apoio eleitoral entre categorias sociais importantes, como são a juventude e os mais instruídos (os licenciados), como mostram os inquéritos de opinião que foram sendo publicados antes e durante a campanha eleitoral. 

Se não conseguir compreender e superar a alienação de grupos sociais politicamente tão decisivos como esses, o PS corre o risco de não recuperar eleitoralmente e de ficar fora da área do poder por mais do que a próxima legislatura.

3.  Outro perdedor claro das eleições é o PCP, que dá mais um passo no caminho do declínio, perdendo votos e deputados, incluindo nos seus antigos bastiões políticos, como o Alentejo (ficando sem representação em Beja!) e Setúbal.

Para agravar as coisas, há boas razões para temer que uma parte das perdas do PCP não foram para o PS e outros partidos de esquerda, mas sim para o Chega, replicando uma transferência que se tem observado noutras geografias, como em França ou em Itália. Junto com o PS, o PCP torna-se a principal vítima da grande deslocação à direita que estas eleições significam.

Em todo o caso, não deixa de ser inquietante ver definhar inexoravelmente o principal combatente da ditadura do "Estado Novo" e um dos fundadores históricos do atual regime democrático.

Adenda
Corrigi a referência a anteriores maus resultados do PS, que um leitor me assinalou, e a quem agradeço.

Eleições parlamentares 2024 (38): Os vencedores

1. O principal vencedor político destas eleiçõs antecipadas é obviamente o Chega, que quadruplica o número de deputados, vence num círculo eleitoral (Faro) e é segundo em vários círculos eleitorais (incluindo Setúbal!).

Não é a primeira vez que um terceiro partido se aproxima dos 20%, pois tal já se tinha verificado em 1979, com o PCP, e em 1985, com o PRD. Todavia, deste vez, ao contrário das anteriores, o Chega integra-se num movimento transnacional da direita radical populista, que parece não ter nada de conjuntural. É possível, portanto, que este sucesso Chega signifique uma verdadeira alteração estrutural do sistema partidário em Portugal.

Mesmo que não venha a entrar no Governo, o Chega vai obviamente condicionar politicamente o frágil Governo do PSD que sai destas eleições.

2. Não poderia ser mais modesta a vitória da coligação AD, protagonizada pelo PSD, e pelo líder deste, Luís Montenegro. Além de ter ficado bem longe de uma maioria parlamentar, a AD não superou em muito a percentagem do PSD sozinho em 2022 e é a  marca mais baixa de um vencedor das eleições, incluindo as 1985 (PSD sozinho, com Cavaco Silva). 

Mesmo em coligação com a IL, o Governo dos partidos da AD não supera parlamentarmente o conjunto das esquerdas, o que pode obrigá-lo a compromissos comprometedores com o Chega. Se o PS adotar uma oposição pouco colaborativa, como parece ser o propósito de PNS, não vai ser um exercício governativo fácil, nem provavelmente muito duradouro.

3. Por último, mas não em último lugar, outro vencedor das eleições, ainda que não fosse candidato, é Marcelo Rebelo de Sousa, que, com a intempestiva interrupção da legislatura, conseguiu fazer afastar o PS do Governo e recolocar o seu partido no poder, oito anos depois. Embora um tanto amarga - vitória eleitoral "à tangente", vitória política do Chega, problemáticas condições de governo -, não deixa de ser um triunfo.

Cortesia de Belém, a direita conseguiu realizar o seu sonho de poder: maioria parlamentar (contando o Chega), Governo e  presidência da República.

Eleiçoes parlamentares 2024 (37): Uma questão em aberto

1. Mesmo antes do apuramento final dos resultados (neste momento estão por apurar  os círculos do exterior, que elegem 4 deputados), tanto Montenegro como Pedro Nuno Santos deram como certa a vitória eleitoral da AD e a formação de governo pelo PSD. Ora, se a primeira parece assegurada, dada a vantagem existente, já não há certeza sobre se o PSD terá mais deputados do que o PS, dado o igual número neste momento existente (descontados os dois deputados do CDS no total da AD) e o número de mandatos ainda em aberto.

Sucede que as coligações eleitorais se extinguem com o apuramento dos resultados eleitorais, que os mandatos parlamentares são atribuídos aos partidos, e não às coligações, e que - mesmo que os deputados do PSD e do CDS se viessem a juntar num único grupo parlamentar (o que nunca aconteceu) -, quem é convidado a formar os governos são os partidos - como expliquei AQUI já em 2015 -, pelo que, se o PS viesse a ser o maior partido parlamentar, deveria ser ele a ser chamado a formar Governo em primeiro lugar

2. Aparentemente, porém, PNS não equaciona tal hipótese e, mesmo que ela que se viesse a verificar, tudo indica que preferiria não formar Governo, porque este seria, quase de certeza, chumbado pela direita reunida e, na falta de alternativa parlamentar, correria o risco de ficar como governo de gestão durante mais de seis meses, sem condições de governabilidade, até serem possíveis novas eleições. 

É uma hipótese decididamente pouco atraente para o líder socialista, mais interessado em liderar a oposição a um frágil governo da AD, eventualmente "aditivado" pela IL, mas politicamente dependente do Chega. Em todo o caso, ao assumir a derrota no encerramento da jornada eleitoral de ontem, PNS renunciou antecipadamente a tal solução, mesmo que o PS venha a ter mais mandatos do que o PSD.

Adenda
Não faz sentido considerar a AD na distribuição dos mandatos parlamentares, como o Observador faz (e também o Público e o Expresso), por duas razões: (i) como coligação eleitoral, a AD terminou ontem: (ii) os mandatos parlamentares são atribuídos aos partidos, e não às coligações. Portanto, em vez de atribuir 79 deputados à AD, o correto é atribuir 77 à PSD (empate com o PS) e 2 ao CDS. De resto, optando por apresentar as coligações, deveriam separar a AD, que não concorreu na Madeira, da coligação PSD-CDS, sem o PPM, que concorreu no Funchal. Um pouco mais de rigor jornalístico, sff!

Adenda 2
Um leitor observa que a AD nem sequer ganhou as eleições, se descontarmos os votos da Madeira, onde a AD não concorreu, sendo substituída por uma coligação PSD-CDS, pelo que «os seus votos e os deputados têm de ser contabilizados separadamente, e não somados aos da AD». Tudo somado, «neste momento, sem contar os votos da emigração, a AD não ganhou as eleições, por ter menos votos e menos deputados do que o PS a nível nacional». É verdade que nos resultados oficiais das eleições, os votos da AD vão aparecer separados dos da coligação PSD-CDS na Madeira, por se tratar de duas candidaturas diferentes, não somente quanto ao nome mas também quanto à sua composição.

sábado, 9 de março de 2024

Coimbra (des)encantada (3): Discordo

Não acompanho esta proposta coletiva de reservar o convento da Santa Clara a Nova, em Coimbra, para a Anozero, a bienal de arte da cidade, que desde há anos utiliza uma pequena parte das suas instalações, em prejuízo do concurso de concessão lançado pelo Governo, no âmbito do programa Revive, para instalar um hotel - como tem sucedido em relação a muitos outros monumentos públicos do Estado.

Em primeiro lugar, trata-se de um enorme edifício (como se vê na imagem), com avultadas despesas de manutenção e conservação, que não faz sentido reservar para utilização parcial de um evento artístico de frequência bianual; seria uma enorme desproporção e um imperdoável desperdício de recursos públicos. Em segundo lugar, para a cidade, e não apenas para o Estado (que valoriza o seu património), a solução do hotel será uma grande mais-valia, em termos de oferta hoteleira e turística de qualidade, de que Coimbra carece. Por último, não existe nenhum risco para a continuação da bienal, que pode ser acolhida em vários outros espaços nobres da cidade, que não faltam, aliás mais centrais do que o Convento.

Não sendo obviamente imprescindível para a bienal, a retirada do Convento do programa Revive não se justifica de modo algum sob o ponto de vista do interesse público, seja nacional, seja local.

O que outros pensam (4): A favor do "dia de reflexão"

1. Num artigo no Público de hoje, a jornalista-comentadora São José Lopes acha que o dia de reflexão é «um arcaismo absurdo com que é preciso acabar»

Discordo inteiramente dessa posição, porque penso que as razões que o ditaram em 1975, nas primeiras eleições democráticas entre nós (nomeadamente a de proporcionar aos eleitores, e aos próprios candidatos e militantes partidários, um dia de descanso e de distanciamento em relação às paixões da campanha eleitoral) se mantêm inteiramente, se não mesmo reforçadas, quer por causa do frenesim acrescido que as televisões e as redes sociais vieram trazer às campanhas eleitorais, quer pela descoberta de que uma proporção importante de eleitores só decidem o seu voto nas vésperas das eleiçoes, importando garantir que o fazem em tranquilidade. 

Também não considero relevante o argumento de que, entretanto, se veio admitir o voto antecipado, sem tal período de reflexão, porque essa opção é facultativa e abrange na prática uma pequena percentagem de eleitores, seguramente os que se consideram seguros sobre as suas opções eleitorais desde o início, o que não sucede, porém, com muitos outros eleitores. 

2. Compreendo que os media e os jornalistas e comentadores políticos não gostem desse dia de "feriado" político, em que as audiências dos primeiros descem e a publicidade também e em que os segundos ficam "desempregados". Mas também eles se devem preparar para a excitação mediática do dia seguinte à noite.

Em qualquer caso, o "dia de reflexão" foi instituído em prol da tranquilidade dos eleitores e dos cidadãos comuns (e também para a preparação das operações eleitorais, incluindo as mesas e as assembleias de voto). 

Por isso, continuo a pensar que o "dia de reflexão" no dia anterior ao ato eleitoral faz todo o sentido e não deve ser abolido. Vale a pena investir na formação refletida da vontade popular.

quinta-feira, 7 de março de 2024

Como era de temer (9): Abuso de poder qualificado

1. Passam hoje 4-quatro-4 meses desde que, a 7 de novembro do ano passado, o primeiro-ministro António Costa se viu forçado a demitir-se, no seguimento da publicação de um comunicado da PGR que o dava como sujeito a investigação pelo MP junto do STJ, por suspeita de delitos não identificados no âmbito do processo Influencer.

Nestes quatro meses, Costa não foi ouvido pelo MP nem lhe foi dada nenhuma informação sobre o processo, nem sequer sobre o crime de que é alegadamente suspeito. Por via do Observador - pelos vistos, órgão oficioso do MP -, mas sem confirmação oficial, ficou a saber que é suspeito de prevaricação no referido processo.

Este longo silêncio do MP constitui manifestamente um inqualificável abuso de poder.

2. Escandalosamente, uma pessoa, prestes a deixar funções de primeiro-ministro (por nomeação de novo Governo), é mantida indefinidamente em suspenso quanto à sua vida pessoal, profissional e política, como refém político do Ministério Público.

Hoje mesmo, o influente semanário europeu Politico dedica um longo trabalho a António Costa (imagem supra) e pergunta se ele será ilibado a tempo de poder ser candidato a presidente do Conselho Europeu, como muitos observadores vaticinavam antes do misterioso episódio que o vitimou há quatro meses. Pelos vistos, o MP não poupa esforços para impedir esse desenlace.

Adenda
Respondendo à dúvida de um leitor, a prevaricação consiste, nos termos da lei penal, na conduta de um titular de cargo político que, «atuando contra o Direito», atua de forma a beneficiar ou prejudicar alguém. Ora, tanto quanto se sabe pelo que veio a público, o PM limitou-se a apoiar a mudança da lei aplicável a um importante investimento em Sines (para o que o Governo tinha competência), de forma a viabilizar esse investimento de elevado interesse público (o que é inquestionável); portanto, a meu ver, nem conduta ilegal (pois não é "ilegal" alterar uma lei) nem benefício de ninguém, salvo do interesse público.

quarta-feira, 6 de março de 2024

Eleições parlamentares 2024 (37): Comentadores em campanha eleitoral?

Não vejo como é que estações de televisão supostamente apartidárias, aliás por obrigação legal, podem admitir que os seus comentadores regulares, por sinal sem contraditório, participem diretamente nas campanhas eleitorais dos respetivos partidos, como é o caso de Paulo Portas e de Marques Mendes, o que dá argumentos à tese do enviesamento político-partidário daquelas. 

E também me parece pouco curial que eles próprios não vejam nenhuma incompatibilidade política nessa acumulação de comentadores cum protagonistas em campanhas eleitorais.

Adenda
Este estudo, agora anunciado, confirma o óbvio nos últimos anos: a enorme supremacia da direita no comentário televisivo. Quando se trata de dominar o espaço público, a direita não brinca em serviço.

Eleições parlamentares 2024 (36): Compromisso escasso

O líder do PSD continua a garantir enfaticamente que só formará Governo se vencer as eleições - e não se vê como poderia violar esse compromisso sem perda absoluta de credibilidade política.

O que ele não diz, porém, são duas coisas igualmente importantes, se não vencer as eleições: (i) que o PSD não se proporá formar Governo sem ele, se houver maioria das direitas, incluindo o Chega; (ii) que não inviabilizará um Governo minoritário do PS, se este vencer as eleições, questão a que se recusou a responder até agora.

Ou seja: os compromissos públicos de Montenegro também vinculam o PSD, de que ele é líder, ou somente a ele?

Adenda
Um leitor objeta que PNS «admitiu repressamente formar governo se o PS formar maioria com os demais partidos de esquerda, mesmo não ganhando as eleições». É verdade, mas deixou de o fazer ultimamente, seguramente por ter percebido que desta vez não há nenhuma hipótese de maioria das esquerdas, pelo que só pode mesmo formar Governo se ganhar as eleições (como assinalei em devido tempo). Inversamente, tudo indica que pode haver maioria das direitas, mas somente com o Chega. É por isso que é tão importante saber a resposta de Montenegro às duas questões acima indicadas.

+ União (80): Banir o trabalho forçado do mundo

1. Os dois órgãos legislativos da UE, Parlamento e Conselho, acabam de chegar a acordo para o banimento legal do mercado interno da UE de produtos resultantes de trabalho forçado, no todo ou em parte, de onde quer que provenham.

Estando o trabalho forçado naturalmente banido da UE, desde logo na respetiva Carta de Direitos Fundamentais (que tem valor constitucional), a verdade é que podemos importar bens de países onde essa prática contra a liberdade de trabalho seja tolerada, consentida ou mesmo oficialmente instituída. A OIT calcula que existam cerca de 27 milhões de trabalhadores em tais condições, sobretudo na Ásia e na África (ver mapa acima).

Daí a importância desta lei, que impõe uma proibição da entrada, de circulação ou de venda de tais bens no mercado da União.

2. Dado que a UE constitui um importante parceiro comercial desses países, como destino das suas exportações, a perda do mercado europeu torna-se uma decisiva alavanca para levar esses países a proibir o trabalho forçado e a fazer respeitar essa proibição.

Mais uma vez, a UE prevalece-se virtuosamente da sua condição de grande potência económica e comercial para fazer vingar valores extracomerciais, nomeadamente os direitos laborais essenciais, aliás como impõem os Tratados. Até agora, essa preocupação era realizada sobretudo através de acordos comercias preferenciais com os países disponíveis para isso. O que há de novo nesta nova lei é o facto de se tratar de uma medida de caráter universal, imposta unilateralmente pela União a todos os demais países.

A União reforça por isso a vinculação das suas relações comerciais externas ao respeito pelo menos dos mais básicos direitos humanos, como é a proibição do flagelo do trabalho forçado.

Adenda
Um leitor objeta que «na prática, esta medida de alegado banimento do trabalho forçado vai constituir apenas uma arma protecionista, que será utilizada de forma muito seletiva contra alguns países e em algumas situações convenientes». Mas não tem razão: primeiro, a cláusula contra o trabalho forçado, junto com outros direitos laborais essenciais, já existe em acordos comerciais preferenciais da União com numerosos países, sendo agora reforçada e generalizada; segundo, trata-se em geral de produtos de que a UE carece, pelo que não há nenhuma razão para protecionismo. O que está em causa, para além de uma questão básica de direitos humanos, é combater a concorrência desleal dos produtos que, por serem produzidos com trabalho forçado, ficam mais baratos no mercado internacional.

terça-feira, 5 de março de 2024

Aplauso (37): Honra à França!

A França tornou-se o 1º país do  mundo a consagrar constitucionalmente a liberdade das mulheres quanto à interrupção da gravidez, deixando esta de estar sob risco de retrocesso político-legislativo (como há quem proponha em Portugal) ou jurisprudencial (como sucedeu nos Estados Unidos).

Assinalar esta conquista da liberdade das mulheres é tanto mais importante, quanto é certo que em muitos países do mundo - como se pode ver no mapa junto - tal liberdade ainda não existe de todo em todo ou está limitada a hipóteses assaz limitadas, como sucede em muitos países latino-americanos (incluindo o Brasil, apesar dos vários governos de esquerda), africanos e muçulmanos. Neste aspeto, tal como em muitos outros, há um fosso entre o Norte e o Sul...

Mais uma vez, desde 1789 (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão), a França lidera a conquista da liberdade individual.

segunda-feira, 4 de março de 2024

Aplauso (36): Confiança externa

1. Saúde-se, como deve, o facto de Portugal beneficiar agora do rating A em todas as principais agências de notação da dívida pública, com as inerentes vantagens desde logo quanto ao custo da dívida (quer pública quer privada), o que constitui um justo prémio à prudente política orçamental dos governos socialistas desde 2015, que levou à atual situação de excedente orçamental, reduzindo não somente o peso da dívida pública no PIB, mas também o próprio stock da dívida.

Defendendo há muitos anos o equilíbrio orçamental e a redução da dívida pública, apraz-me registar esta demonstração prática de que a prudência orçamental também é uma política de esquerda.

2. Importa sublinhar devidamente este enorme êxito político, sem deixar de notar que ainda há muito caminho a fazer para alcançar o objetivo da UE de redução da dívida pública para 60% do PIB, com o inerente alívio dos respetivos encargos orçamentais e a correspodente poupança de recursos para investimento público.

Esta advertência é especialmente importante no atual contexto político-eleitoral, quando os partidos de direita em geral avançam com irresponsáveis promessas eleitorais de aumento da despesa pública e de redução drástica de impostos, que só podem resultar no regresso dos défices orçamentais e do aumento da dívida pública.

domingo, 3 de março de 2024

Eleições parlamentares 2024 (38): Visão seletiva

Sim, como resulta das sondagens eleitorais, tem razão a líder do Bloco quando sustenta que «a maioria absoluta do PS acabou», mas Mortágua não se quer dar conta de que elas mostram igualmente que a maioria de esquerda também acabou e que, por isso, a única via para um governo de esquerda é a vitória do PS, sendo os votos no Bloco contraproducentes, na medida em que dificultam tal objetivo.

sábado, 2 de março de 2024

Stars and Stripes (12): Insanidade política

Neste artigo no Financial Times sobre a "decadência política" dos Estados Unidos, o célebre teórico liberal norte-americano, Francis Fukuyama, argumenta:

«Qualquer democracia depende de um eleitorado bem informado e apoiante das normas em que o sistema assenta. Mas um número espantoso de norte-americanos adere a bizarras teorias conspirativas e a realidades alternativas. As sondagens mostram que 17% apoiam o Qanon, cujas teorias incluem os Democratas a beber sangue de crianças em túneis secretos por baixo de Washington. Mais de metade dos Republicanos acreditam que as vacinas são mais nocivas do que benéficas, enquanto os evangélicos pensam que o encerramento das igrejas durante a pandemia foram o primeiro passo de uma campanha dos liberais para as encerrar definitivamente».

Se a isto somarmos a inacreditável decisão do supremo tribunal estadual do Alabama que considerou que os embriões congelados para efeitos reprodutivos são "crianças", com as respetivas implicações criminais, podemos fazer uma ideia da insanidade política vigente nos Estados Unidos, que pode explicar a inquietante possibilidade de regresso de Donald Trump à Casa Branca nas eleições presidenciais deste ano.

sexta-feira, 1 de março de 2024

Perguntas oportunas (1): Aos israelitas

«Como podem os descendentes dos judeus de Auschwitz transformar Gaza num campo de extermínio?»

Adenda
Comentário de um leitor: «Como podem os israelitas ter eleito – repetidamente – Nethanyahu? Como podem os israelitas(...) concordar com o que as suas tropas estão a fazer em Gaza, e os colonos na Margem Ocidental? Sem reduzir no que quer que seja as responsabilidades pessoais dos políticos como Nethanyahu e comparsas (...), penso fundamental reservar uma quota-parte substancial da responsabilidade à maioria dos cidadãos-comuns. (...) Acho que são demasiadas as vezes em que é insuficientemente valorada (por difícil que fazê-lo possa ser) a responsabilidade colectiva dos povos». Estou de acordo. Alguns dos maiores crimes da história, incluindo os pogroms antijudaicos, tiveram amplo apoio das respetivas coletividades. O que surpreende neste caso é ver um povo que foi vítima das piores perseguições massacrar impiedosamente outro povo, além do confisco do seu território

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

História constitucional (7): Metamorfoses do voto



Em vésperas de novas eleições parlamentares, eis um estudo (mais um da minha parceria com o Professor José Domingues) sobre os diferentes modos de votação nas eleições em Portugal ao longo dos tempos, desde as Cortes medievais até à atual Assembleia da República, assinalando devidamente a revolução que nesse ponto representou, na sequência da Revolução do 25 de Abril, a lei eleitoral de 1974 para a Assembleia Constituinte, eleita no ano seguinte. 

Como se pode ver, desde o inicial voto oral até ao voto secreto em câmara de hoje, o modo de expressão eleitoral da coletividade mudou muito ao longo da história.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Eleições parlamentares 2024 (37): A CM de Oeiras tem razão

1. Veio a público um projeto de deliberação do município de Oeiras, visando disciplinar a afixação de propaganda eleitoral no espaço público municipal, proibindo-a em determinadas zonas, como em rotundas e praças.

Penso que que a iniciativa oeirense de disciplinar a selva da propaganda eleitoral no espaço público - que invade passeios, praças e jardins, sem nenhum respeito pelo ambiente urbano - só peca por defeito. Legalmente, a afixação de propaganda política no espaço público deve limitar-se aos locais definidos pelos municípios para esse efeito, sendo proibida fora deles. 

Em vez de rechaçada, corajosa iniciativa municipal de Oeiras deveria, portanto, ser saudada e seguida por todos os demais municípios.

2. E, ao contrário da conceção maximalista da CNE, funcionando como verdadeiro "cartel" interesseiro dos partidos com representação parlamentar, não há nada de inconstitucional naquele regime. Nada na Constituição exige que a liberdade de propaganda política - que, aliás, é um princípio constitucional, sujeito a concretização normativa infraconstitucional, e não um direito fundamental dos partidos, diretamente aplicável, sem limites quanto aos meios, como equivocadamente entende a CNE - dê aos partidos um direito ilimitado de ocupção do espaço público e do domínio público municipal, à custa do direito à livre fruição coletiva desse património público, que ao município cabe assegurar.

O que é lamentável é ver os dois partidos de governo do regime democrático, PS e PSD, a alinhar nessa insustentável e abusiva conceção depredadora do espaço público - sem nenhum paralelo em qualquer país civilizado -, que nestes dias tomou conta das cidades e vilas de Portugal.

Adenda
Um leitora enviou-me o texto de uma petição que está a correr para um disciplina legal mais estrita dos paineis de propaganda política no espaço público, incluindo a sua proibição fora dos períodos eleitorais. Apoio!

Guerra da Ucrânia (59): Macron virou falcão da Nato?

1. A afirmação do Presidente Macron de que não está excluído o envio de tropas da Nato para a Ucrânia é de uma gritante insensatez política. ´

É certo que desde o início esta é uma guerra entre a Nato e a Rússia por interposta Ucrânia. Foi a provocatória proposta de adesão da Ucrânia à Nato, abandonando o estatuto de neutralidade daquela e colocando a segunda a dois passos de Moscovo, que deu o principal pretexto à invasão russa, em nome da segurança nacional. Foi a Nato que fez abortar as negociações entre Kiev e Moscovo mediadas pela Turquia para uma solução política do conflito logo no início da guerra. Tem sido o apoio da Nato em armamento, em logística e em incentivo político, a alimentar a continuação indefinida da guerra. Mas enviar tropas ocindentais para o terreno equivaleria a envolver diretamente a Nato e os seus Estados-membros, incluindo Portugal, na própria guerra com a Rússia, enquanto beligerantes.

2. Estaria manifestamente aberta a porta para a extensão e o agravamento do conflito, com que sonham os círculos mais belicistas de Bruxelas e Washington (e, quiçá, também em Moscovo...). O que surpreende é a iniciativa partir de Paris, porventura para desviar as atenções das dificuldades políticas internas do Presidente francês. 

Em qualquer caso, é um péssimo sinal de que há quem continue a julgar, temerariamente, que esta guerra, chegada onde chegou, pode ter outro desfecho que não uma solução política negociada.

Adenda

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Causa palestina (8): Cinismo ocidental

Blinken diz que os Estados Unidos são contra a ocupação de Gaza por Israel, mas continuam a fornecer todo o apoio logístico e militar à sanguinária ofensiva israelita e a vetar sistematicamente no Conselho de Segurança das Nações Unidas todas as moções a favor de um cessar-fogo

O cúmulo do cinismo político!

Adenda
Sobre a catastrófica situação sanitária em Gaza ver esta denúncia dos Médicos sem Fronteiras.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Eleições parlamentares 2024 (36): O "tabu" de Montenegro

O líder do PSD continua a furtar-se a responder ao desafio do PS sobre se viabiliza um governo minoritário socialista, reciprocando o compromisso inverso do líder do PS assumido no debate televisivo entre ambos.

Mas é evidente que não há resposta ao desafio socialista, porque ela seria negativa. Parece óbvio que, se perder as eleições, mas houver uma maioria das direitas (incluindo o Chega), o PSD não resistirá a rejeitar um governo minoritário do PS, somando os seus votos aos do Chega, e a propor-se formar uma "geringonça" de direita, tal como fez nos Açores em 2020.

Porém, este "gritante silêncio" só pode funcionar contra o PSD, dada a incerteza política criada e "fome de poder" a qualquer custo que revela.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Eleições parlamentares 2024 (35): Cabeça na areia

1. Esta sondagem eleitoral de ontem não é ainda seguramente decisiva quanto ao desfecho das eleições, dada a diferença relativamente pequena entre as duas principais forças políticas (AD e PS), mas ela reforça a manifesta inviabilidade de uma maioria de esquerda (ficando a soma dos respetivos partidos pelos 33%!).

Neste quadro, não se compreende que o PS continue publicamente a equacionar a hipótese de formar Governo, mesmo não ganhando as eleições, na base de uma tal mirífica maioria de esquerda. Na verdade, como aqui já defendi anteriormente,  estando de todo afastada a repetição de uma "Geringonça", parece evidente que a única hipótese de o PS governar é ganhando as eleições.

2. Por isso, não se compreende que, sendo isto tão óbvio, o PS ainda não tenha alterado o discurso eleitoral, passando a mostrar aos eleitores de esquerda que (i) só pode haver governo de esquerda com a vitória eleitoral socialista e que (ii) a dispersão de votos por outros partidos de esquerda só ajuda à vitória da AD. 

Enquanto a bem concebida e bem executada campanha de voto útil de Montenegro ("só governo se ganhar as eleições") parece produzir frutos à direita, travando o crescimento do Chega e da IL, o PS tarda em  tornar manifesto que "o único voto útil à esquerda é no PS"...


Livro de reclamações (27): A Ana/Porto despreza os utentes

Reclamação que enviei cerca das 19:00 de ontem à ANA (Porto):

Esta tarde tentei várias vezes efetuar na plataforma dos parques de estacionamento da ANA no Porto uma reserva de estacionamento automóvel entre amanhã e domingo, mas nunca consegui concluir a reserva, por impossibilidade de efetuar o pagamento, pois a plataforma nem aceita nem rejeita. 
Tentei telefonar duas vezes, mas sem êxito: da 1ª vez, fui atendido e remetido para o serviço de parques, mas depois ninguém atendeu; da 2ª vez, ninguém chegou a atender. 
Considero que isto não é maneira de tratar os utentes de um serviço público. Se não obtiver uma resposta satisfatória a esta reclamação ainda hoje [ontem], vou dar-lhe publicidade e transmiti-la à autoridade reguladora, para aplicação da devida sanção e indemnização.

A publicidade está dada. A denúncia ao regulador público (Anac) seguirá, ato contínuo.  Quando o concessionário de um serviço público mosta este desprezo pelos utentes, não pode ficar impune.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Economia social de mercado (8): Uma alteração doutrinária no PS

1. Inesperadamente e sem destaque público, o PS veio propor no seu programa eleitoral uma diretiva europeia para a representação dos trabalhadores no governo das grandes empresas.

Sendo uma das mais características instituições da chamada "economia social de mercado" - noção de marca originariamente alemã, mas hoje consagrada no Tratado da União Europeia -, trata-se de compatibilizar a economia de mercado, baseada na livre iniciativa privada e na concorrência, e o Estado social, nomeadamente os direitos dos trabalhadores no trabalho e na empresa, o acesso universal aos "serviços de interesse económico geral (SIEG)" e a participação dos trabalhadores na governação das grandes empresas, de que a Mitbestimmung alemã continua a ser o principal modelo.

2. Defensor desta instituiação há muitos anos (por exemplo, AQUI e AQUI), nunca encontrei no PS, até a proposta de revisão constitucional de 2022, independentemente da sua liderança, a mínima disponibilidade para a adotar, mantendo-se fiel à conceção confrontacional tradicional quanto às relações de poder no seio das empresas.

É certo que, depois de ter sido assumida no referido projeto de revisão constitucional, a proposta não surge agora nos capítulos do programa eleitoral relativos à economia ou ao Estado social, como reforma nacional, mas sim no capítulo sobre a UE, como proposta de diretiva da União, dispensando a sua constitucionalização interna. 

Todavia, a verdade é que o seu profundo significado político não fica desvalorizado. Trata-se efetivamente da confirmação de uma sensível alteração doutrinária do PS - que saúdo.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Direito à habitação (5): Não desta maneira

1. Tanto o PS como o PSD (a que se juntou oportunisticamente o Chega) convergem na proposta de pôr o Estado a garantir o crédito à habitação para as pessoas de menos de 40 anos, independentemente da respetiva condição ecónómica -, uma coincidência política que traduz evidentemente a vontade de ambos os partidos de cativar politicamente essa importante constituency da pequena-burguesia urbana, em que, aliás, ambos sociologicamente assentam. 

Trata-se, portanto, de uma benesse em causa própria.

2. Discordo da tal proposta. 

Primeiro, não vejo nenhuma razão para o Estado apoiar financeiramente o acesso à habitação de toda a gente, incluindo gente abastada. Segundo, penso que a ajuda pública ao acesso à habitação de pessoas carenciadas deve ser feita preferencialmente por via do arrrendamento (dedução de rendas no IRS, subsidiação às rendas), e não da aquisição de habitação própria, a qual implica sempre um constrangimento à mobilidade territorial. Por último, não me parece bem a ideia de multiplicar as situações de Estado-senhorio, ao assumir a posição dos bancos credores, em caso de incumprimento.

Na minha opinião, enquanto houver quem não tenha acesso a habitação condigna, por falta de meios, não faz sentido o Estado gastar recursos a apoiar a chamada "classse média".

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

SNS em questão (27): «Ideia polémica», diz o Expresso

 "Polémica" pode ser, à luz da lente política da direita liberal do Expresso, mas merece todo o meu apoio esta proposta do programa eleitoral do PS, retomando uma ideia imputada pelo semanário a Marta Temido, em 2019, de exigir aos médicos formados no SNS um período de dedicação ao serviço público, antes de mudarem para o setor privado (ou para o estrangeiro), como forma de retribuição da formação de especialidade e correspondente qualificação profissional recebida, "cortesia" dos contribuintes.

De resto, dois anos antes, em 2017, eu já tinha defendido essa ideia aqui no Causa Nossa, nos seguintes termos: 

«Julgo mesmo que os médicos formados pelo SNS deveriam ficar vinculados um certo número de anos ao setor público (salvo havendo redundância) para "retribuir" os custos da sua formação, sendo obrigados a candidatar-se às vagas abertas em qualquer ponto do país. É inadmissível que fiquem desertos concursos no SNS só porque os médicos recém-formados preferem logo locais mais confortáveis e mais rendosos».

Seis anos depois, regozija-me ver esta ideia perfilhada politicamente pelo PS.

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Eleições parlamentares 2024 (37): O mau precedente açoriano

Apanhado de surpresa pela derrota eleitoral nos Açores, a depois de uma cacofonia inicial sobre o que fazer, revelando não se ter preparado para tal situação, o PS acabou por decidir votar contra o Governo minoritário da AD regional.

Discordo desta decisão: primeiro, a abstençao do PS não implicava nenhum compromisso político de apoio ao Governo, mantendo-se como líder da oposição e conferindo-lhe, pelo contrário, um poder de controlo e, mesmo de veto, desde logo quanto ao orçamento; depois, a rejeição do PS força o PSD a um entendimento com o Chega para a viabilização do Governo, com as inevitáveis implicações na política do novo executivo; por último, e mais importante, o PS afasta-se da doutrina oficialmente defendida por A. Costa em 2015, segundo a qual, como recordei há pouco tempo AQUI, o PS só deveria rejeitar o Governo minoritário da AD, se conseguisse um alternativa de governo de esquerda com apoio parlamentar maioritário (que veio a ser a "Geringonça").

Julgo que entre as reversões do legado político costista (disciplina orçamental, tempo de serviço dos professores, portagens nas antigas autoestradas SCUT, privatização da TAP, etc.) não se devia contar mais esta...

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Não é bem assim (14): Desmentindo uma idea feita

Uma das mais correntes ideias negativas em Portugal é a da baixa confiança no Governo (e nas instituições, em geral). Mas um recente inquérito da OCDE relativo a 2023 sobre a confiança no Governo vem contrariar tal ideia, colocando Portugal em 11º lugar entre os 40 países incluídos, onde se contam as mais avançadas democracias do Mundo, e muito à frente de países como os EUA, a Espanha, o Reino Unido, a Itália e a França.

Não por acaso, entre nós, nem a imprensa nem o comentariado entenderam dever fazer referência a tão importante inquérito. Afinal, o próximo Governo não herda somente a economia e as contas públicas em bom estado, mas também a confiança nas instituições.

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Antes que seja tarde (4): Polícia na ordem, já!

Se há lugar onde a indisciplina coletiva, a insubordinação e a greve selvagem são intoleráveis, ainda por cima sob o cobarde pretexto de "doença" coletiva, é nas forças de segurança. É uma contradição nos termos. 

Além da pronta abertura de "inquérito urgente" ao grave incidente, que deve ser acompanhado da suspensão imediata dos implicados, só é de esperar um expedito procedimento disciplinar a concluir com uma exemplar punição, que não pode ser menos do que a expulsão para os organizadores da provocatória rebelião policial.

Ai do País onde os polícias podem insubordinar-se impunemente.

Adenda

Montenegro veio dizer que "ninguém está acima da lei".  É pouco! Por definição, cabe às forcas de segurança fazer cumprir a lei, pelo que são as primeiras a ter de respeitá-la, "sem mas nem meio mas". Num matéria da gravidade destas, um partido de governo não pode ficar por frases de circunstância...

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Eleições parlamentares 2024 (36): Em princípio, deve governar quem ganha

1. Através do habitual oráculo do Expresso sobre o pensamento de Belém (cortesia da "sacerdotiza" Ângela Rebelo de Sousa Silva...), ficamos a saber que o PR entende que, na sequência das eleições parlamentares de 10 de março, deve ser Governo o partido que ganhar as eleições (ou seja, o PS ou o PSD), mesmo sem apoio parlamentear maioritário, excluindo implicitamente uma alternativa de Governo encabeçada pelo segundo partido mais votado, em coligação com outros.

Concordo com esta perspetiva, que eu próprio expus AQUI há várias semanas, defendendo que um governo minoritário do partido vencedor das eleições só devia ser rejeitado liminarmente no parlamento, caso haja uma alternativa de governo maioritária -, o que, face às sondagens, não se afigura viável, nem à esquerda nem à direita (se o PSD excluir o Chega, como Montenegro prometeu). Penso que esta clarificação presidencial introduz alguma racionalidade no complexo enigma eleitoral que as sondagens indiciam.

2. Neste quadro, entendo que as coisas ficariam ainda mais simplificadas, se os líderes do PS e do PSD se comprometessem, desde já, a respeitar o referido critério e a não propor nem votar nenhuma moção de rejeição contra o que, de entre ambos, tendo vencido as eleições, se apresentar à frente de um governo minoritário perante o parlamento.

É claro que, nas condições de polarização política existentes, não vai ser fácil, nem porventura duradoura, a vida de um governo minoritário, seja do PS seja do PSD, desde logo quanto ao grande teste político de aprovação do orçamento, logo no final do ano. Mas, entretanto, terão passado os seis meses de defeso na dissolução parlamentar, e o partido de governo na oposição que irresponsavelmente rejeitar o orçamento corre o risco de ser penalizado nas urnas.

Adenda
Um leitor pergunta: «e se o PS ganhar, mas PSD, CDS e IL tiverem mais deputados, embora sem maioria absoluta?» Continua a valer a mesma solução. Não faz sentido substituir o governo minoritário do partido vencedor das eleições por um governo minoritário do partido que as perdeu. Na minha tese, caso perca as eleições, o PSD só poderia vir a ser Governo numa coligação maioritária com o Chega -, o que tem rejeitado terminantemente até agora ("não é não")

Adenda 2
Estando de acordo, em geral, com esta análise de Francisco Assis, julgo que o PS só pode esperar avançar com um governo minoritário se ganhar as eleições, sem rejeição do PSD, se estiver disponível para admitir a hipótese contrária, ou seja, não rejeitar à partida um governo minoritário do PSD, se este ganhar as eleições. Como defendo no texto, convinha um compromisso recíproco, expresso ou tácito nesse sentido.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Contra a corrente (5): Receita para a violência

A proibição da manifestação da extrema-direita contra a suposta "islamização da Europa" corre o sério  risco de descambar em violência, primeiro porque as forças de segurança têm a obrigação de fazer valer a proibição, e segundo porque os promotores vão provocatoriamente desafiar interdição, para efeitos  de divulgação nas redes da internacional neonazi.

Para além da questão da problemática da licitude da proibição de manifestação por ideias anticonstitucionais - a Constituição parece admitir a interdição de manifestações que sejam iniciativa e expressão de organizações fascistas ou racistas, como se afigura ser o caso, as quais são constitucionalmente proibidas e sujeitas a dissolução -, a questão é saber, quanto ao risco, se não teria sido preferível autorizar a manifestação noutro local menos provocatório e mais suscetível de ser controlado policialmente, do que proibi-la e suscitar o confronto pelas ruas estreitas da Mouraria, como será desejo dos manifestantes.

Numa democracia liberal, nem sempre as soluções policialmente mais duras são as mais aconselháveis para lidar com grupos violentos como estes

Eleições parlamentares 2024 (35): Hipótese fora de equação

1. Creio serem igual a zero as hipóteses de o PS dizer sim à proposta do BE de um acordo de governo entre ambos os partidos, a firmar já antes das eleições

Na verdade, um acordo entre ambos os partidos só poderia ter algum sentido, e apenas depois das eleições, para formar um governo de maioria parlamentar. Ora, uma tal "maioria de esquerda" parece uma hipótese fora de equação nestas eleições, pois nenhuma sondagem a dá como alcançável. Tudo indica, portanto, que a solução de 2015 - que, aliás, foi deixada fora de equação política pelo PS nas eleições posteriores - não constitui uma hipótese viável em que valha a pena investir eleitoralmente.

2. Por conseguinte, em termos realistas, a única hipótese de haver um governo de esquerda assenta na vitória eleitoral do próprio PS, que as sondagens indiciam, mas sem suficiente margem de segurança. 

Ora, para reforçar a margem de vitória do PS, a admissão de um acordo de governo à esquerda não só não ajuda, como pode mesmo desajudar, quer porque pode "confortar" a utilidade no voto no Bloco (e no PCP), quer porque pode afastar algum eleitorado do centro moderado, que não vê com bons olhos a aliança do PS com a esquerda radical. Por isso, a meu ver, o PS faria bem em descartar explicitamente o inoportuno flirt político do Bloco.

Adenda
Um leitor pergunta se estou a propor o «regresso do PS ao discurso do voto útil». A minha resposta é, claramente, sim. Sem qualquer dissimulação, o PS deve dizer aos eleitores de esquerda que a vitória socialista é o único resultado que assegura um governo de esquerda e deve dizer aos eleitores do centro que, quanto mais robusta for a vitória do PS, maior será a inibição política colocado ao PSD contra qualquer má tentação de aliança com a extrema-direita.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Aplauso (34): Abaixo dos 100%!

1. Para quem, como eu, há muito anos considera essencial a frugalidade orçamental e a contenção do endividamento público - desde logo, porque fica caro! -, só posso saudar vivamente a notícia de que, apesar da grave crise da pandemia, voltámos a uma dívida pública bem abaixo dos 100% do PIB e que baixámos mesmo o stock da dívida pública em termos líquidos, retirando o país do clube dos países mais endividados. Um notável triunfo político! 

Para além de confortável seguro contra qualquer crise orçamental superveniente, esta notável redução do peso da dívida pública traduz-se numa substancial poupança orçamental em juros, proporcionando maior flexibilidade na gestão da despesa pública aos governos que vêm.

2. Com este importante desempenho orçamental do governo do PS, um dos melhores da UE, ficamos menos longe e mais bem posicionados para atingir o objetivo do Pacto de Estabilidade da União, que é de 60% do PIB. Ponto é que os próximos governos não enveredem de novo pelo laxismo orçamental e pela "desbunda" na despesa pública ou num demagógico corte da receita, como deixam temer muitas das promessas eleitorais neste momento irresponsavelmente apresentadas por quase todos os partidos.

Neste quadro, é especialmente preocupante o programa do PSD, que, entre aumentos de despesa e um maciço e aventureiro "choque fiscal", propõe um rombo de mais de 5 000 milhões de euros nas contas públicas -, ou como um partido de governo outrora financeiramente responsável, passou a acreditar irresponsavelmente em operações de prestidigitação orçamental.

Eleições parlamentares 2024 (34): Azares do PSD

Como se não bastasse a pouco recomendável novela política sobre o governo regional da Madeira e a inquietante especulação sobre uma possível aliança de governo do PSD com o Chega nos Açores, no plano nacional acumulam-se as notícias pouco propícias para o PSD, como a dos números sobre o crescimento do PIB em 2023, o maior da UE, ridicularizando a acusação de Montenegro sobre o "ciclo de empobrecimento" do País (como já havia mostrado AQUI).

Em condições normais, o PS deveria obter uma vitória folgada nestas eleições. Mesmo que o próprio PS pareça não querer explorar excessivamente os resultados económicos da sua governação de oito anos, os portugueses não podem deixaram de notá-la, no emprego, nos rendimentos e no poder de compra. Não se vê como é que o PSD pode contrariar eficazmente este panorama daqui até às eleições.

Adenda
Mais notícias sobre o "empobrecimento" do País: em 2023 o salário médio subiu bem acima da inflação, implicando, portanto, um ganho de poder real de compra.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Era o que faltava (14): A "golpada " da Madeira

Propositadamente, o PSD madeirense, com a concordância de Montenegro, precipitou a demissão do Governo regional (que se tornou efetiva com a apresentação da demissão, sem necessidade de aceitação - como notei logo na Adenda 6 a este post), sem dar tempo à aprovação do orçamento no parlamento madeirense, exigindo agora a nomeação de novo Governo, sem eleições..., para aprovar o orçamento que deliberadamente fez caducar. 

Só que quem procede à formação de novo Governo é o Representante da República, na data por ele escolhida (não há prazo para o fazer), em articulação com o PR. Ora, a não ser que se queira dar efetivamente ao PSD na Madeira o que ele pretende, ou seja, o privilégio de mudar de governo sem ir a eleições - o que não foi dado ao PS a nível nacional -, só há uma solução politicamente decente e coerente: manter o Governo cessante em funções de gestão até haver novo executivo, na sequência de novas eleições parlamentares regionais, quando elas puderem ter lugar. 

A "golpada" do Funchal não pode vingar.

Adenda
Um leitor pergunta se a demissão do governo regional implica necessariamente «a queda da proposta de orçamento pendente de votação na ALRM». Sem dúvida, tal como sucede a todas as iniciativas legislativas governamentais, que deixam de ter "progenitor", não podendo sequer o governo demitido defendê-las no parlamento madeirense. Trata-se de um princípio geral de direito constitucional, expresso na CRP em relação à AR e que vale por analogia para os parlamentos regionais.

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Este Pais não tem emenda (35): Uma conspiração de silêncio

1. É um escândalo esta elevadíssima falta de assiduidade dos professores do ensino público (11 000 por dia!), que deixa muitas dezenas milhares de alunos sem aulas e sem aproveitamento e que vai minando a confiança na escola pública. 

É evidente que nada de semelhante se passa nas escolas privadas. A uma cultura de irresponsabilidade profissional no sector público, soma-se uma gritante carência de ética de serviço público. Enquanto a falta de assiduidade não for devidamente penalizada na avaliação de desempenho profissional, a situação só pode piorar.

2. Infelizmente, não há nenhuma razão para alimentar qualquer esperança. Os sindicatos assobiam para o ar; os partidos de esquerda não ousam criticar os professores, por razões ideológicas; os partidos de direita, não o fazem por interesse, porque quanto pior se tornar a escola pública, melhor para os seus velhos planos de privatização do ensino -, agora, aliás, reforçados.

Enquanto esta conspiração de silêncio político continuar, não há margem para nenhum otimismo.

Adenda
Um leitor comenta que algo de semelhante se verifica no SNS, sendo «lamentável que se não conheçam os números». Não é
Está em causa somente uma questão de ineficiência dos serviços públicos; é também uma questão de abuso e de indignidade profissional.